Estátua equestre do Corvo

Durante séculos se falou de uma misteriosa estátua de um cavaleiro apontando para Oeste, na Ilha do Corvo, como prova da presença de antigos e ignorados navegadores. (Saudades da Terra, Gaspar Frutuoso, Vol. 6.) A lenda foi citada por historiadores renascentistas como um fato verídico. Recentemente, o historiador Joaquim Fernandes, da Universidade Fernando Pessoa, cidade do Porto, no seu romance O Cavaleiro da Ilha do Corvo, retomou a ideia de ter existido uma Estátua equestre. (O Cavaleiro da Ilha do Corvo, Joaquim Fernandes, Ed. Temas&Debates/Círculo de Leitores, 2008) Esta lenda é quase tão antiga quanto a colonização da ilha e faz parte do folclore local. O relato da Estátua equestre não foi mais do que um rochedo sugestivo, usado com intuito de valorizar a ilha e instigar a curiosidade pelas terras a Ocidente.

Sua Origem

É o historiador Damião de Góis (1502-1574), na "Crónica do Sereníssimo Príncipe Dom João", que diz que quando os portugueses chegaram a ilha "encontraram uma estátua equestre no cume noroeste da serra no centro da ilha, colocada sobre um pedestal quadrado. Construída a partir de um único bloco de pedra, a estátua representava um cavaleiro com a sua montada e coberto por um manto e com a cabeça descoberta. Com a mão esquerda segurava as crinas do cavalo e apontava com o direito para Ocidente."

"D. Manuel I teria mandado a Duarte de Armas que fizesse um desenho da estátua e ordenado o seu transporte para Lisboa, mas o Rei só viria a receber pedaços do monumento, nomeadamente, a cabeça, e o braço e mão direitas, assim como parte do cavalo. Estas peças teriam sido guardadas no Palácio Real, tendo-se perdido o seu rasto a partir daqui. Na base - deixada na ilha - existiriam algumas letras numa escrita desconhecida que foram copiadas em 1529 por Pedro da Fonseca, [ Capitão-do-donatário ], "mas cujo teor ninguém conseguiu até hoje identificar".

Rochedo Sugestivo

Os historiadores açorianos Gaspar Frutuoso (1522-1591) e António Cordeiro (1641-1722), classificaram esta estória como uma "antiguidade muito notável". O historiador açoriano Frei Diogo das Chagas (1575-1667), cujo irmão foi pároco da ilha, não lhe faz a mínima referência.

Os ingleses Joseph e Henry Bullar escreveram e publicaram um livro relatando, meticulosamente, a sua estadia nos Açores (de dezembro 1838 a maio 1839). Na sua descrição da ilha, não se encontra qualquer referência da dita estátua equestre. O escritor Raul Brandão (1867-1930), que esteve na ilha entre 17 a 30 de junho de 1924, não fez menção da dita estátua no seu livro As Ilhas Desconhecidas.

O Tenente-cornel José Agostinho (1888-1978), após a sua missão arqueológica na ilha, no Verão de 1945, declarou: "a estátua não foi feita pela mão do homem; um simples bloco de basalto que tomou aquela forma por acidente." Além disso, os corvinos nunca viram nem ouviram falar de tais fatos. (Açoreana, Vol. 4, Angra do Heroísmo, 1946) A arqueologia não descobriram até ao momento em nenhuma das ilhas dos Açores, quaisquer vestígios da presença de fenícios ou cartagineses.

Moedas alegadamente fenícias

Em 1761, o numismata sueco Johann Frans Podolyn relatou o seguinte:

"No mês de novembro de 1749, após alguns dias de ventos tempestuosos de oeste, que puseram a descoberto parte dos alicerces de um edifício em ruínas na costa da Ilha do Corvo, apareceu uma vasilha de barro negro, quebrada que continha um grande número de moedas, as quais, juntamente com a vasilha, foram levadas a um convento" [ o Convento de São Boaventura, na vila de Santa Cruz das Flores? ], "onde as moedas foram repartidas por pessoas curiosas residentes na ilha. Algumas dessas moedas foram enviadas para Lisboa e dali mais tarde remetidas ao Pe. Enrique Flórez, em Madrid."

"O número de moedas contidas na vasilha não se conhece e nem quantas foram mandadas de Lisboa, mas a Madrid chegaram nove moedas. ... O padre Flórez fez-me presente destas moedas quando estive em Madrid em 1761, e disse-me que no todo do achado havia apenas moedas destas nove variedades." (Achados Arqueológicos nos Açores, José Agostinho, em Açoreana, Vol. 4, fasc. 1, 1946, pág. 101-2 - O Pe. Enrique Flórez de Setién y Huidobro, (1701-1773), foi um conhecido historiador e numismata espanhol que pertenceu em vida à Ordem de Santo Agostinho.)

Quanto à autenticidade das nove moedas encontradas, o geógrafo alemão Alexander von Humboldt afirmou não haver disso a menor dúvida, visto que os seus desenhos foram comparados com as moedas conservadas no gabinete do Príncipe da Dinamarca. ("Exame Crítico da Arqueologia do Novo Mundo" por Alexander von Humboldt, citado no Arquivo dos Açores, Universidade dos Açores, Ponta Delgada, 1981, Ed. fac. pela Ed. de 1881, Vol. 3, pág. 111-2) As gravuras dessas moedas foram publicadas, primeiramente, na revista sueca Memórias da Sociedade de Gotemburgo, e reproduzidas na Açoreana, em 1946, e no Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, em 1947.

Não há razões para duvidar da veracidade desse achado, nem da autenticidade dessas moedas de ouro e cobre. Mas isso, só por si, não prova que estiveram fenícios ou cartaginesas nas ilhas do Grupo Ocidental. Os arqueológos não descobriram até ao momento em nenhumas das ilhas dos Açores quaisquer vestígios da sua presença. O achado, a ter-se verificado, teve por certo outra origem, bem mais moderna e também mais fácil de sustentar.

Chineses não descobriram os Açores

Gavin Menzies, oficial submarinista aposentado da Marinha Britânica, no seu livro 1421 - o ano em que a China descobriu o mundo, afirma que uma armada chinesa terá descoberto o arquipélago dos Açores, antecipando-se aos navegadores portugueses. Entre outras coisas fantásticas, afirma que a alegada estátua equestre na Ilha do Corvo seria do Imperador Chinês. (1421 - o ano em que a China descobriu o mundo, Gavin Menzies, trad. Maria Eduarda Colares, Publicações D. Quixote, Lisboa, 2004) Infelizmente, Menzies divulga as suas fantasias e conjeturas como factos históricos. Não apresenta evidências arqueológicas e documentais credíveis que sustentem sua tese. Não se descobriu até ao momento - em nenhumas das ilhas dos Açores - quaisquer vestígios da sua presença.